quinta-feira, março 06, 2008

No taxation with representation


Como consequência do recente escândalo de evasão fiscal que rebentou nos tribunais alemães sobre o turismo fiscal no Liechenstein, os ministros das finanças da U.E. reuniram-se dia 4 de Março para analisar uma hipótese de revisão da legislação europeia sobre o assunto.



Esta questão vem, antes de mais, reavivar a polémica relativa ao segredo bancário, não só nos países da União que ainda o praticam (Bélgica, Luxemburgo e Austria), mas também nos países extra-comunitários como a Suíça ou o Liechenstein.



O segredo bancário na Suiça nasceu na Segunda Guerra Mundial como forma de proteger contas bancárias de judeus contra o regime nazi. Será que hoje ainda se justifica, tendo em conta, acima de tudo, as perversões que permite?



E qual a resposta para a questão do desencontro que existe entre as legislações fiscais dentro da União? Uma política fiscal única? E quais as hipóteses de sucesso desta reforma, que exige uma unanimidade a 27?

14 comentários:

José Pedro Salgado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Pedro Salgado disse...

Um exemplo da desadequação do regime internacional de cooperação em matéria fiscal é o exemplo da OCDE.

A troca de informações no âmbito deste organismo é só feita a pedido. Assim, caímos no ridículo de termos de saber o que está a correr mal antes de podermos pedir a informação que o comprova.

http://www.oecd.org/document/
34/0,3343,en_2649_201185_40114018_1
_1_1_1,00.html

Tiago Sousa Dias disse...

Mais um grande post Zé. Estás em grande.
Esta matéria é de uma relevância extrema, mas cuidado com o preciosismo do Direito. O regime do segredo bancário não existe só nestes 3 países que referiste. Julgo até que não haverá país nenhum que não tenha sigilo bancário, a questão prende-se mais com a extensão do regime. Por exemplo, em Portugal o regime existe mas estamos vinculados ao cumprimento da Directiva da Poupança, o que significa que um cidadão residente num outro Estado-Membro que tenha conta bancária em Portugal verá os seus rendimentos de poupança (excluindo produtos de seguros e acções) serem comunicados às autoridades do país de residência. Mas se um cidadão português tiver conta na Bélgica Suiça ou Luxemburgo, estes rendimentos mantêm-se no segredo dos Deuses. Mas mesmo este segredo não é absoluto pois a diferença é que estes 3 países são a excepção à regra, sendo a regra a comunicação automática. Ora a excepção não significa sigilo absoluto mas que os rendimentos auferidos apenas são comunicados se forem pedidas informações pelo Estado de residência, ou seja, o regime é o mesmo mas para a generalidade dos países aderentes a comunicação é automática, para estes 3 é a pedido.
Harmonia deve ser a palavra chave para qualquer regulação no sector financeiro na medida em que uma única brecha num Estado pode significar a ineficácia total do novo regime se houver migração dos movimentos de capitais para esse Estado. Neste aspecto concordo contigo.
Mas esta harmonia não pode significar, por um lado, uma perseguição cega e louca ao capital, o investimento de capital e a livre circulação de capitais também é fundamental ao desenvolvimento dos mercados europeus; e por outro lado, é duvidoso que a mesma se consiga conquistar sem uma harmonia também nos diversos sistemas ficais própriamente ditos. Exemplo disto é também a Directiva da Poupança. Esta Directiva não veio determinar nada no que respeita à tributação do capital mas, antes, no que diz respeito à fiscalização da tributação. Quem saiu grandemente beneficiado com a Directiva? Países receptores de emigração laboral pois estes emigrantes mantinham contas nos países de nacionalidade para onde faziam remessas de dinheiro (seja para ajudar as familias, para aforrar etc...). Ora, em França, por exemplo, existe o chamado "imposto sobre o património" que tributa a mera detenção de património. Além do IVA, IRS entre outros (com as respectivas denominações) em França paga-se um imposto por se ter "bens". Antes os emigrantes portugueses mantinham uma conta em Portugal, faziam remessas e o Estado francês nunca ficava a conhecer aquele rendimento (de juros capitalizáveis ou no termo do depósito a prazo com a capitalização de juros) pelo que nunca chegavam a pagar imposto sobre esses rendimentos. Hoje, esse emigrante opta por não ter essa conta em Portugal e abri-la na Suiça. Vai dar ao mesmo mas houve uma migração de capitais de Portugal para outro Estado.
Nota ainda que mesmo esta excepção é temporária pois este regime de comunicação automática aplica-se mesmo quanto a estes 3 Estados a partir de 2011. Mas digamos... existem centenas de Estados atraentes do ponto de vista fiscal no mundo inteiro. Porto Rico, Cabo Verde e Macau por exemplo podem ser excelentes opções fiscais de investimentos de capital e não estão de modo nenhum obrigados a fazer qualquer comunicação...
Se não fui suficientemente claro (imagino que não) explicarei melhor. :)

José Pedro Salgado disse...

Tiago:

Obrigado pela precisão. De facto o regime do segredo bancário não é um exclusivo destes países, mas são (como referiste) estes os grãos de areia na engrenagem.

Uma eventual harmonização do regime (não só fiscal, mas também dos restantes onde este tem reflexos) terá sempre de respeitar o princípio da livre circulação de capitais e, na medida do possível, o princípio da organização de mercado. A minha costela liberal chocar-se-ia com um regime que de outra forma funcionasse.

No entanto, tal conseguir-se-á mais facilmente através de uma transparência assegurada pela harmonização referida, que permitirá uma identificação clara dos mercados mais competitivos através do verdadeiro funcionamento do mercado, e não através de vantagens artificiais auferidas através de regimes que se alimentam ao atrair capitais estrangeiros, mas com pouca base de sustentabilidade própria.

Resumindo e baralhando: o ideal seria que uma nivelação de regimes permitisse que todos os mercados partissem do mesmo ponto para se poder de facto identificar os mais atractivos para a deslocação de capitais.

Isto não quer dizer, claro está, que tínhamos de medir todos pela mesma bitola. A situação dos diferentes países é diferente e há que tratar o desigual como desigual. Assim, a existência de certas vantagens para certos Estados justificar-se-ia mediante uma análise fria da sua condição e das vantagens e desvantagens que um regime diferente (cujo âmbito também entraria na ponderação) teria para o país, mas acima de tudo para a aplicação do Princípio da Livre Circulação em todo o seu esplendor. Isto sem esquecer o mercado mundial, contra o qual também competimos.

Confessions of a liberal mind...

Tiago Sousa Dias disse...

Concordo com tudo o que disseste no teu 3º parágrafo.
Quanto à questão de medir ou não tudo pela mesma bitola e de tratar o desigual por desigual foi exactamente isso que levou a Suiça a não aceitar de imediato a entrada no regime de comunicação automática da Directiva da Poupança. Relativamente aos pequenos países que artificialmente captam investimento comentarei ASAP porque agora estou apertado de tempo. Mas também é um boa questão.

José Pedro Salgado disse...

Então deixa-me só sublinhar uma questão quanto à Suíça:

Dentro de um plano integrado de liberalização, essa liberdade de escolha teria de ser, naturalmente, comprimida.

Deixaria de ser uma questão de uma parte aceitar ou não para ser uma questão de a outra parte permitir ou não.

João Marques disse...

Questões interessantíssimas, mas cujo conteúdo vem demonstrar que será tendencialmente impossível harmonizar os sistemas fiscais, isto, pelo menos, enquanto a UE não for uma Federação (lato sensu).
Seja pelas questões de competitividade fiscal, seja pela mera questão de soberania político-fiscal dos Estados Membros, seja ainda pela desigualdade de rendimentos/condições sociais, não há, nem haverá, tão cedo, uma hipótese concreta de fazê-lo.

A este propósito veja-se o que se passa no escândalo, quanto a mim, da dupla tributação na compra de automóveis novos em Portugal. É certo que corre procedimento de averiguação nas instâncias comunitárias, mas não menos certo é que no entretanto e independentemente do seu resultado, o Estado português continua a "roubar" aos seus cidadãos aquilo que licitamente não consegue gerar por força de uma economia débil.

Não obstante aplaude-se a tentativa de harmonização da regulação/fiscalização na UE. Do mal o menos como sói dizer-se.

Lisete disse...

«Unidos na Diversidade» é o lema do projecto União Europeia. Apesar de perceber as diferentes preocupações no sentido de nivelar as políticas de cada Estado-Membro, não posso deixar de discordar da ideia aqui mais ou menos deixada de que todos deveriam andar com o mesmo sistema fiscal, por exemplo. Não concordo - concretizando - que todas as Regiões devam ter as mesmas políticas fiscais, há que olhar para a tal diversidade defendida no projecto e atender a cada uma das suas especificidades.

As regiões só poderão competir no mercado, não se tiverem o mesmo sistema fiscal, mas se o seu regime atender às suas particularidades. A Madeira ou os Açores, por exemplo, não serão competitivos, em pé de igualdade com outras regiões da UE por terem o mesmo sistema fiscal, pois, logo a seguir perdem o seu grau de competitividade porque geograficamnte estão distantes... Logo há que diferenciar a diversidade e não igualar o que é diverso.

Ps: Atenção, eu não percebo nada do assunto... é apenas o que acho ser bom senso.

José Pedro Salgado disse...

Lisete:

Não estou a defender o mesmo regime fiscal aplicado cegamente. O sistema fiscal é, dos males necessários do Estado, simultâneamente o pior mas também o mais necessário. Isto quer, por um lado, dizer que deve ser extremamente eficiente, mas que a sua implementação e construção deve ser feita com pinças, para fazer o menos mal possível, e sempre mais bem que mal.

Daqui se retira que um bom sistema fiscal (*LIBERAL WARNING*) não é o que transfere para o Estado todo o dinheiro de que os particulares não necessitam, mas sim o que garante que os particulares só pagam na medida do ESTRITAMENTE necessário, e sempre de acordo com as suas necessidades.

Isto sem falar que um dos princípios mais essenciais do Direito, o Princípio da Segurança Jurídica existe precisamente para garantir que, se eu faço as coisas de acordo com a Lei que existe, não hei-de estar a violar o Direito.

Considerações à parte, a situação particular de regiões ultra-periféricas como é o caso da Madeira e dos Açores poderiam ser precisamente um caso justificativo de um regime especial, devido à sua localização geográfica.

É que a ideia de partirem todos os países da mesma base não passa pela ideia de nivelarmos tudo pelo mesmo ponto. Passa pela necessidade de haver uma política de planeamento fiscal comum à União que garantisse que: por um lado, as situações especiais ou excepcionais sejam perfeitamente justificadas (e nunca a regra); por outro que as assimetrias que existiriam sempre pelos mais diversos motivos (incluindo as situações supra citadas) seriam absorvidas por um sistema cuja cooperação garantia ser mais vantajoso para todos.

Mais uma vez: Transparência e cooperação.

Paulo Colaço disse...

Muito breve:
- Salgado, acho que te deverias sentir lisonjeado: há muito que a nossa Lisete não comentava e veio dar a sua opinião precisamente no teu post :)

- Não é um tema em que me sinta muito à vontade mas cá vai: defendo uma política fiscal o mais harmonizada possível, um sigilo bancário levantável por autorização judicial mas em processo mais facilitado.

Lisete disse...

Colaço:
Prometo comentar a tua próxima posta!;)

Lisete disse...

E Zé,
Claro que concordo que o ponto de partida seja comum... mas já sabes como é, nós cá do Atlântico sentimos sempre a necessidade de cuidar pelas especificidades...lol

Anónimo disse...

Sou a favor de uma harmonização\aproximação fiscal mas daqui a muito tempo: não quero importar o socialismo do Norte ;)

Temos de ver que os impostos servem para arrecadar receita para gerir o nosso modelo social e, ainda que uno, são regimes algo diferentes estes que pululam na UE.

Antes de uniformizar na receita há que acordar o que deve ser despesa. A vexata qaestio das funções do estado pós-social

José Pedro Salgado disse...

Um ponto de partida comum não leva necessariamente com o tentar meter-se o Rossio na Rua da Betesga.

Há que fazer a coisa paulatinamente e não (como infelizmente é muito hábito por cá) começar-se a fazer a casa pelo telhado.

Um primeiro passo seria a efectivação dos mecanismos de cooperação em matéria fiscal. Os regimes mais vantajosos passam também muito pela falta de informação que lhes está adstrito.

Acredito que essa maior transparência levaria a um equilibrio que fluiria mais naturalmente. Depois dessa harmonização mais natural, passar-se-ia a uma formatação, um "limar de arestas" legislativo.

Naturalmente, nem de loge se passaria para um sistema fiscal único logo, mas começava-se já a colocar as primeiras pedras para essa obra que, a meu ver, tem de acontecer mais tarde ou mais cedo, e deve partir por aqui.