sábado, março 08, 2008

Fitna


Palavra que surge no Corão, geralmente com o significado de discórdia, é também o título de uma curta metragem produzida por Geert Wilders, líder do Partido da Liberdade. Com este filme, o deputado de extrema-direita, e um dos principais críticos do Islão na Holanda, pretende mostrar “o lado fascista do Corão”, segundo o próprio, que defende que o livro sagrado seja mesmo banido do país.

O Irão, Egipto e o Paquistão já ameaçaram a Holanda com um boicote económico. Os taliban já ameaçaram um intensificar de ataques à força da NATO no Afeganistão, da qual constam 1600 holandeses. O Primeiro-Ministro holandês, Jan Peter Balkenende, já avisou Wilders das consequências que poderá ter a exibição do seu filme, cuja estreia se encontra marcada para dia 28 de Março em Haia. A curta-metragem também será distribuída online.

Há que dizer, finalmente, que nenhuma estação de televisão aceitou exibir o filme, embora (segundo uma sondagem desta semana) a maioria de holandeses queira vê-lo, receando simultâneamente as tensões que pode despoletar. Muitos comparam esta questão com os famosos cartoons que em 2006 foram publicados por jornais dinamarqueses, levando a uma vaga de violência contra aquele país.

A liberdade de expressão em todo o seu esplendor é um grande poder. E "com um grande poder vem uma grande responsabilidade", não é?

12 comentários:

jfd disse...

Ao ler este post, e tu Salgado és um grande posteiro!, só me passava pela cabeça a caixa de pandora e como não se fecha após abrir...

O senhor até tem razão.
E se fossem eles a fazê-lo acerca da biblia?
A diferença é que deste lado não estariam forças armadas e inspiridas pelo Divino prontas a vingar pontos de vista...

Tenho medo...

José Pedro Salgado disse...

Jorge:

Nunca li o Corão, mas já estudei muito ao de leve a lei islâmica. Posso-te garantir que o livro em si não é mais fascista que a Bíblia que, entre outras coisas, aprova a escravatura, a justiça privada, e condena a homossexualidade como obra do Diabo.

Aliás, o Corão em si mesmo não é conhecido de muita gente. As fontes de Direito no Islão funcionam do seguinte modo: tens o Corão (livro sagrado); a Suna (a vida do profeta Maomé); a Hadith (lendas e histórias sobre a vida do profeta Maomé); finalmente tens a fiqh, ou a opinião comum dos académicos do Islão (o que nós chamaríamos jurisprudência, e cuja evolução foi congelada no século XII). No meio disto tudo, uma larga parte dos islamitas não conhece (ou conhece mal) nenhuma destas fontes, recorrendo geralmente à fatwa, que é um parecer jurídico emitido por um especialista em lei religiosa, não havendo um consenso sobre quem está legitimado para as emitir.

Tendo dito isto, existem diversos relatos de líderes religiosos islâmitas (ditos moderados, por oposição aos extremistas) que pronunciam o Islão como uma religião que nada tem de violento na sua génese, que a violência é uma distorção do Islão.

Pelo que sei, e aqui exponho, da Sharia (lei islâmica), tal não me admira.

jfd disse...

Zé obrigado por mais uma lição:)
Não me referia aos Livros Sagrados em si, mas aos fanáticos que os utilizam como justificação de tudo. O que queria dizer, e espero não estar errado, é que deste lado não há armas. Do outro sim.

No que toca à Sharia law, em 24 de Fevereiro no post "De como a América (não) está preparada para um presidente negro ou uma "presidenta" e de como estes (não) estão preparados para UMA América", eu comentava:
(...)Perto de nós temos o exemplo do Reino Unido, nomeadamente a Inglaterra, uma polémica estalou à uma ou duas semanas porque o Arcebispo de Canterbury (líder da Igreja Inglesa) disse (+/-) que não se poderia viver sem a Lei Sharia (a lei Islâmica cuja fonte é o Corão – penso não estar enganado!) caso se pretendesse atingir a coesão social - http://www.archbishopofcanterbury.org/1581. São sinais de uma sociedade que passou para lá do tradicional, e se reconhece a si própria como algo completamente diferente. Ou não. Polémica da grossa. E chegou aos Estados Unidos. Na Holanda dá-se o inverso, quer-se esbater a diferença em público. País marcado pela tolerância durante muitos anos, deseja-se agora que por exemplo seja proibida a utilização do véu islâmico.

Pensei desde aí, e li muito. Até penso que o Bispo tomou a decisão certa. Só quando o marginal se tornar mainstream, deixa de haver necessidade de fundamentalismos... Ou não????
Que assunto complicado.

José Pedro Salgado disse...

Mas nós também já tivemos fundamentalistas que se usavam a religião como desculpa para tudo. Aliás, dois dos momentos da história em que tal aconteceu são aqueles dos quais a Europa ocidental mais se orgulha: as Cruzadas e os Descobrimentos.

Já o terceiro momento vêmos como negro no nosso passado, porque dessa vez as vítimas do nosso fundamentalismo fomos nós: a Inquisição.

jfd disse...

Hence,


Só quando o marginal se tornar mainstream, deixa de haver necessidade de fundamentalismos... Ou não????

Anónimo disse...

Prefiro o excesso de caricaturas à falta delas

Esta foi a forma como Sarkozy comentou a crise dos cartoons.

O homem pode ser um Michael Moore, mas não devemos censurá-lo: é daquelas coisas que começam com pequenos gestos e acabam por amordaçar-nos a todos.

Paulo Colaço disse...

Tantas dúvidas que tenho nesta matéria. Tantas perguntas. Tanta indignação!

Duas citações a abrir:
- "Quem está disposto a cercear liberdades em troca de alguma segurança momentânea, não merece nem uma coisa nem outra". A assinatura é de respeito: Benjamin Franklin
- "Em Bruxelas, quando vou do aeroporto para minha casa, passo por uma mesquita. Se for ao Irão ou Iraque, dificilmente verei uma. Reciprocidade! Reciprocidade é aquilo que gostaríamos de ter. Mas não a exigimos. E, sobretudo, nunca o faríamos pela força". Mário David, Universidade de Verão/2005.

Paulo Colaço disse...

Há que distinguir liberdade de licenciosidade, diria Freitas do Amaral.

Eu diria: há que distinguir coragem de provocação.

É tão mau o extremismo de esquerda quanto o de direita. É tão mau o extremismo laico quanto o religiosos. A ponderação nunca esteve nos extremos.

Se o cavalheiro holandês pretende passar um filme, que passe, conquanto haja meios legais. Se quer acusar os islâmicos de extremismo, que o faça. Se apenas os quer provocar, que os provoque.

Atente, porém, no seguinte: no calor da refrega, é dificil distinguir "Jorge Germano com género humano."

Se não forem atrás deles, atrás de outros irão. Não deixaram de encontrar quem culpar.

Quando a comunidade islâmica analisar o filme, fa-lo-á com os olhos raiados de sangue.

E o curioso é que se trata do mesmo sangue que os judeus derramaram debaixo das facas egipcias, que os cristão derramaram sob os gládios romanos, que os árabes viram correr devido à avidez dos cruzados.

O sangue é o mesmo, as veias é que vão mudando.

Liberdade, sempre. Com modos? Claro!

Anónimo disse...

Atente, porém, no seguinte: no calor da refrega, é dificil distinguir "Jorge Germano com género humano."

Onde é que tu desencantas estas pérolas Colaço?

José Pedro Salgado disse...

Não discordo, de formam nenhuma que a liberdade de expressão é um valor absoluto inatacável.
Aliás, já disse e repito: os princípios não admitem excepções, porque a partir daí será apenas uma questão de grau.

No entanto, como disse no post, temos de utilizar a nossa liberdade com responsabilidade. Uma utilização irresponsável pode levar (e geralmente leva) a uma reacção que hipoteca essa mesma liberdade.

E depois é como ir jantar fora: por um não ter dinheiro, ficam todos a lavar a loiça.

Paulo Colaço disse...

Né, adoro essa frase. (embora a tenha cidado com ligeira gralha)

Mário de Carvalho, no seu "Histórias do Beco das Sardinheiras", dizia muitas vezes: "lá estão vocês a confundir Manuel Germano com género humano".
Acho que fica melhor com "Jorge".

Ficou-me a expressão. Tu e o Tiago usam mais a "estrada da Beira e a beira da estrada" :)

Salgado, a tua frase "Uma utilização irresponsável pode levar (e geralmente leva) a uma reacção que hipoteca essa mesma liberdade" é inatacável. Eu, pelo menos, não a ataco.

José Pedro Salgado disse...

Aproveita a quem vir:

No site do Sol hoje:

"Suspenso site que ia divulgar polémico filme anti-Islão

O site em que o controverso deputado holandês de extrema-direita, Geert Wilders, ia divulgar um filme anti-Islão foi suspenso pelo servidor americano. A Holanda continua a temer protestos violentos

A prometida estreia do filme, cujo autor compara o Corão ao Mein Kampf de Adolf Hitler, levou as autoridades holandesas a decretarem o segundo estado mais elevado de alerta, receando uma reacção violenta por parte da comunidade islâmica do país.

O site em que o filme ia estrear, no entanto, foi suspenso este domingo pelo servidor Network Solutions, que prometeu analisar queixas de vários internautas que acusavam Geert Wilders de incitamento ao ódio.

Apesar do filme ainda não ter estreado, a película de apenas 15 minutos já motivou protestos oficiais do Paquistão e do Irão. Recorde-se que, esta semana, Osama Bin Laden divulgou uma ameaça contra a União Europeia devido a uma polémica selhante, a das caricaturas de Maomé repetidamente publicadas na Dinamarca."