segunda-feira, outubro 29, 2007

Código Penal


Caros amigos,

Em conversa com o Paulo Colaço disse-lhe que o primeiro tema sobre o qual iria escrever era o mais importante para mim: EU.
Estou chateado com o artigo 2º nº 4 do Código Penal.
Não me esqueço do dia em que fui fazer melhoria de nota a Direito Penal e perante o Senhor Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade propus-me refutar a teoria de que ele e Figueiredo Dias são "pais" e que sustentava a constitucionalidade do anterior art.º 2º nº 4. Fiz uma boa apresentação e no final disse-me: "Até concordaria consigo, mas não vale a pena." Eu respondi-lhe: "Nesse caso eu até continuaria a oral, mas não vale a pena." E desisti.
Talvez por orgulho decidi fazer a minha tese de mestrado sobre esse tema... e agora o legislador deu-me razão por antecipação alterando a lei no sentido da minha tese eliminando toda a utilidade que esta podia ter.
À matéria em causa:
Antes desta revisão do Código Penal, as alterações ao regime penal nunca poderiam afectar negativamente o arguido, significando isto que se aplicaria sempre a lei penal mais favorável. Ou seja, um arguido "acusado" de praticar um crime com moldura penal de 1 a 3 anos de prisão veria aplicada a lei nova se, por exemplo, esta reduzisse o limite máximo para 2 anos mas manter-se-ia aplicável a lei antiga se a moldura aumentasse para 4 anos.´
Já quando o processo houvesse transitado em julgado não seria aplicável a lei mais favorável. Na prática o que poderia acontecer é que dois arguidos em processos diferentes acusados pelo mesmo crime mas em que um promovesse o rápido andamento do processo atingindo a sentença com transito em julgado e o outro promovesse manobras dilatórias tendentes ao adiamento sucessivo dos actos processuais, ao primeiro ("o bom incumpridor") ser-lhe-ia vedada a lei mais favorável; ao segundo ("o artista") ser-lhe-ia aplicada a lei mais favorável.
Ora falei de mim e mostrei o meu desagrado pelo facto de este artigo me ter estragado uma oral e uma tese, mas não queria deixar de salientar que finalmente consigo concordar com alguma coisa que este Governo faz (não obstante este artigo estar no âmbito do pacto para a justiça PSD/PS).
O problema que se coloca é o seguinte:
Tomada esta medida, cada vez que se alterar a lei penal TODAS as sentenças transitadas em julgado sobre crimes da natureza alterada terão que ser revistas. Ora, se os Tribunais já não têm capacidade de escoamento processual nos dias de hoje, como será de agora em diante?

11 comentários:

Anónimo disse...

Não sei como será de agora em diante, mas sei que a lei agora é mais justa!
E sei também que a administração pública tudo faz para que as leis que dão trabalho fiquem pelo caminho.
Não são só os sindicados!
Vamos vê-los, agora, a ter de vergar a mola cada vez que uma lei penal é alterada?
Não!
Eu acho que ninguém vai mexer uma palha até que um advogado (de um preso que vê a sua vida melhorar) se decida mexer em prol do seu cliente.
Os outros, que não têm advogados diligentes (ou não lhes pagam para isso) vêem a liberdade passar ao lado...

xana disse...

Olha Tiago, há dias numa oral de Direito Processual Civil II com um assistente de Direito Processual Penal (é a FDL no comments...), este dizia-me que a nossa incredualidde perante algumas normas deve-se ao facto de o legislador fazer algumas leis com os pés.
Eu também sou do estilo de ir para as orais perguntar onde está a lógica desta ou daquela norma, e este artigo de Cp deu pano para mangas quando fiz a cadeira de Penal I. Talvez o problema não seja a lei penal, mas sim a consagração constitucional do 29º/4, 2ª parte.
Penso que a revisão traz mais sentido à norma, mas mais uma vez, o legislador mostra que não conhece a realidade dos tribunais e que em termos processuais, sejam em matéria cível ou criminal, são erros atrás de erros.
É caso para dizer que mais valia estarem quietos...

Inês Rocheta Cassiano disse...

Uma questão prévia: nunca tive Direito, sou practimente leiga em questões jurídicas e por isso peço que se estiver a fazer uma interpretação errada do post, uma mente sábia me venha corrigir.
Se bem entendi a questão, no anterior CPP, em caso de sucessão de leis no tempo, aplicava-se sempre a lei mais favorável ao arguido. E segundo percebi também, o actual Código permite que sentenças consideradas definitivas sejam revistas para aplicação da lei mais favorável.
Do meu ponto de vista, acho insensato mexer-se no carácter definitivo das sentenças dos Tribunais Superiores, o que torna infinitamente passível de revisão e de recurso qualquer decisão judicial, independemente da instância de que provenha. Por outro lado, a ser assim, isto vai complicar ainda mais a máquina judicial, porque processos que estão a ser acompanhados apenas para a execução da pena, terão que ser todos novamente reapreciados para eventual aplicação da lei mais favorável.
Este novo Código de Processo Penal soma e segue...

Tiago Sousa Dias disse...

Cara Inês. Mesmo não sendo a tua área deixa-me dizer-te que o teu comentário é muito perspicaz na medida em que:

1- Levantas aí o principal problema deste novo regime que é o facto de abalar um pouco a ideia de que as sentenças são imutáveis. Ou seja, um dos principais objectivos do Direito, a Segurança Jurídica, cai por terra. Verdade. Este é um dos principais argumentos de quem se pronuncia históricamente contra este novo regime e que eu defendo. A verdade porém, é que não cai por terra perante nada mas perante um outro objectivo fundamental a atingir pelo Direito (talvez mais importante até pela ressonância)- a Justiça. Ponho-te uma situação concreta:
- Crime de furto: o arguido confessa um crime de furto. Perante tal conduta e reunidas as condições para proferir a sentença, esta decreta pena máxima reduzida a metade pela confissão. Não recorro, logo a sentença transita em julgado ("torna-se definitiva"). No mesmo juízo e com o mesmo Juiz um arguido não confessa, protela o processo no tempo tendo começado no mesmo dia que o anterior. Entretanto entra em vigor uma nova lei reduz para metade a moldura penal. Perante isto, o arguido confessa, é aplicada também a pena máxima, reduzida a metade. Simplesmente a metade do segundo é metade do primeiro pelo mesmo crime praticado no mesmo dia e com processo começado no mesmo dia.
2- Mas o mais curioso é que os Tribunais sempre tiveram a obrigação de aplicar a lei mais favorável mesmo após o transito em julgado. Veja-se a este propósito o art.º 282º nº3 quanto à declaração de inconstitucionalidade. O regime é o mesmo e é assim desde 1975. Desde que existe constituição.

Mas como disse a big mamma e a Xana, acho que o grande problema não está na "justeza" (não justiça) ou bondade da norma, antes na falta de articulação com meios que tornem verdadeiramente eficaz este regime.
Não concordo com o teu ponto de vista mas não deixo de te reconhecer a extrema pertinência do teu comentário.

José Pedro Salgado disse...

Ah pois é! Mais um de Direito.

Isto deve ser dos maiores berbicahos que existem.

Vamos mudar para melhor, mas e os outros que foram apanhados antes da mudança? Danam-se só porque o legislador demorou mais tempo a ver que assim é que era bom?

O ideal é de facto mudar tudo e rever tudo.

A Lei anterior reconhecia a extrema complexidade deste processo, preferindo uma forma mais célere, mas mais injusta.

É no equilíbrio entre estes pontos que devemos encontrar a nossa solução, sendo ambas as posições válidas.

Tendo dito isto, e não me chocando o regime anterior, sendo que nunca será completamente justo (é impossível), parece-me esta mudança um passo na direcção certa.

Duvido que tenhamos meios para estas revisões de pena todas. Estou em crer que seria possível, e que nos poderíamos ter precavido neste sentido.

Outra foi a opção do legislador.

Anónimo disse...

Meu amigo Tiago;

Então e agora...
A tua oral e a tua tese, que ao que percebi ja estava em fase adiantada.

Que irás fazer?

Paulo Colaço disse...

Tiago, sempre podes fazer uma tese sobre o contributo que as discussões bloguísticas dão à ciência jurídica :)

Quanto ao tema, comento já tarde: o dia foi árduo.

Concordo inteiramente contigo, Tiago. Aliás, concordei de imediato enquanto me explicavas o teu ponto de vista, na "cantina" da Punchline.

O mal vai estar na aplicação: eu não estou à espera que a administração judicial varra todos os processos à cata de situações em que novas leis sejam aplicáveis.

O que fará aqui a diferença (refere bem a big mamma) será a diligência de um bom advogado.

Tiago Sousa Dias disse...

Frederico... o que vou fazer ainda não sei muito bem. Mas o que não vou fazer já está definido. hehe
Tenho que "inventar" outro tema para a oral... Mas olha adaptando a ideia do Colaço não seria interessante falar de responsabilidade penal no âmbito dos blogs? Liberdade de expressão vs difamação, injúria etc?
Não sei bem. Mas estou inclinado para o Direito Penal Económico...

João Marques disse...

Podemos dizer que o sistema anterior não era perfeito, mas devo dizer que estou muito mais próximo de Costa Andrade e Figueiredo Dias (também eles meus professores) do que do Tiago. A solução desta lei não me parece má, no entanto ela é bem diferente de uma reavaliação, que abra caminho a mais justiça, o que lá se diz é que, perante um arguido cumprindo uma pena aplicada por força de lei anterior, e caso haja uma lei posterior mais favorável, assim que naquela pena (de lei anterior) se atingirem os máximos prescritos pela nova lei cessará, de imediato, o cumprimento da mesma.
Isto é um malabarismo jurídico, uma solução híbrida, por um lado afecta-se o caso julgado, por outro nem por isso, apenas se incorpora aquela pena no espírito e letra da nova lei. Doutrinalmente será certamente assunto para muito e profícuo debate.
Não sendo este um tema para tratar em meia dúzia de linhas, nem este o espaço para uma alongada discussão, concluo dizendo que, se fosse juiz (longe vá o agoiro), sentir-me-ia ligeiramente incomodado com este novo preceito. Se fosse arguido, certamente que mais aliviado.

Fernanda Marques Lopes disse...

Só para deixar algumas notas:

1ª- Este novo CPP está repleto de "mimos".. algumas inovações e até coisas teoricamente boas, mas que na prática são desastrosas.. (ainda há dias, entre dois dedos de conversa, alguns militares da GNR confessavam a hercúlea aplicabilidade, no posto, de certos novos preceitos..)

2ª- Como aqui o Tiago disse, um dos pilares da Justiça, o da Segurança Jurídica, cai por terra.. muito do que era certo passa a ser incerto..

3ª- Isto vai atulhar ainda mais os nossos Tribunais (isto para o caso de muitos advogados irem rever antigos processos já transitados em julgado.. e acreditem que os mais diligentes e/ou os mais bem pagos o irão fazer)

4ª- Apesar de tudo, este novo CPP já me deu um jeitaço e me permitiu "brilhar" com um ou dois clientes.. lol =)

Tiago Sousa Dias disse...

Caro João Marques. Compreendo a semântica que usas, mas não me apetece ser menos objectivo que isto: a lei nova é aplicável agora a todo caso (sendo mais favorável) tal como já era antes a declaração de inconstitucionalidade (regime que foi o grande suporte desta alteração nos trabalhos parlamentares).
Cara Fernanda.
Como sabes também, a defesa dos valores segurança e justiça colide, não raras as vezes. Por isso me custa deixar de referir que quanto a mim este é caso para "largar" a segurança jurídica que em todo caso aqui é apenas formal (a defesa intransigente da intangibilidade do caso julgado). Defesa constitucional reforce-se. No entanto repito: foi o caso particular da "tangibilidade" caso julgado no caso de declaração de inconstitucionalidade de norma penal, que fundamentou grandemente este novo regime.
Já quanto ao facto de entupir os Tribunais é um vaticinio fácil de fazer e com o qual concordo em absoluto. Com jeito vamos passar a ter secretarias de reforma de processos. Mas isto, julgo, está a ser falado neste blog e foi comentado por mim, pela Xana e por ti (desculpem se me estou a esquecer de alguém) e ainda não foi discutido na comunidade politica. Sim, porque isso, o bom funcionamento dos Tribunais, não está a cargo da comunidade cientifica. Está nas mãos do poder politico/administrativo. Deixa-me ser populista, está nas mãos do Senhor Ministro da Justiça. Ou estes não são os "seus Tribunais" como em tempos da Administração Interna aquela não era "a sua policia"?