quinta-feira, outubro 25, 2007

Inteligível ou nem por isso?


Uma mulher pontapeia a sua filha, com dois anos e meio, sendo essa acção a causa necessária e directa da morte da criança .

Chegados a julgamento, o colectivo de juízes condena a mãe a 7 anos de prisão tendo ficado provado o crime de maus tratos agravado pelo resultado morte, e não o crime de homício qualificado pedido pelo MP.

A lei penal é clara. Não havendo intenção de matar e não tendo o agente, neste caso a mãe, previsto o resultado morte e, portanto, não se conformando com o mesmo, não é sustentável a tese de homícidio.

Mesmo para quem conhece a lei e os seus contornos esta decisão é difícil de compreender.

Não será uma discussão técnica, antes pelo contrário. Se a lei penal advém, de alguma forma, de uma consciência colectiva acerca do que está certo e errado, cabe a todos, juristas e não juristas, discutir o fundamento e o alcance das normas penais.
Mas será o legislador autista? Porque será que todos os dias são proferidas decisões que esse colectivo, que são os cidadãos, não entendem?

Será a nossa lei justa?

14 comentários:

Tété disse...

Já num post anterior tive a oportunidade de manifestar a minha indignação contra a lei penal que temos.

Este é mais um dos caso que juro não entender, será esta a justiça que queremos? Só por não haver prova da intenção de matar? Acho a Lei Penal Portuguesa demasiado branda.

E que fará a lei a uma mãe que pelo menos é provada a existência de maus tratos ao filho. Por mim pontapear uma criança é CRIME! Nunca jamais em tempo algum posso aceitar que tal crime seja impune. É das atitudes que mais me repugna. É preciso ter uma falta civismo tal para o fazer. Descarregar ou exercer a supremacia nos mais fracos é fassílimo, mas mais que lamentável.

Cata A. disse...

Depois deste post é impossivel dizer que a nossa justiça é completamente injusta

Bruno disse...

Não confundamos "a nossa justiça" com "as nossas leis". Não sendo especialista na matéria, penso que muito do que vai mal na justiça se deve ao funcionamento dos seus órgãos. Se a legislação ajuda ou não é outra conversa.

Mas definivamente devia ajudar! E neste caso fica provado que não ajuda! Penso que a lei deverá ser mais pesada em casos destes. Sei que podemos estar a falar de pessoas com pouca formação, com vidas muito difíceis e sem condições psicológicas, financeiras ou sociais para conseguirem criar uma criança.

Mas - que diabo! - não se desata ao pontapé!!! Toda a gente tem noção do perigo que isso acarreta. E ao que julgo saber, a aplicação da lei também serve para funcionar como exemplo. Qual o exemplo que estamos a dar neste caso?

Dri disse...

Já dizia o Gandhi:" Olho por olho e o mundo acaba cego". A nossa justiça também parece ter cegado neste caso. Não consigo compreender a atitude desta mãe que por a filha ter entornado o biberão a agride com dois pontapés mas mais grave a atitude de um juiz que entende que esta forma de castigar a criança é negligente porque a mãe não deduzia que a pudesse matar....
De quem será o problema: do juiz? da lei? do legislador? dos cidadãos? dos mass media? Todos temos a nossa quota de responsabilidade se não fizermos nada no dia a dia para por fim a este tipo de situaçoes e de injustiças.

Paulo Colaço disse...

Creio que estamos a analisar apenas um dado da equação.
E se o juiz, ainda que julgando a agressão da mãe violência avassaladora, não julgue tratar-se de homicídio?

Achamos mesmo que a mãe quis matar a filha? Atenção que não está em causa apenas a intenção de magoar para descarregar frustrações ou por mera maldade. Homicídio é querer matar ou saber que o resultado da violência leva, necessariamente a esse fim.

E, no fim das contas, estamos a falar apenas de números. Se o juiz aplicasse pena muito maior, estaríamos a falar da lei?

Joana Simões disse...

boa tarde!
eu não vou comentar este post, porque em primeiro lugar não sou muito entendida das leis e em segundo porque acho que estes casos sempre complexos por muito simples que pareçam. no entanto, queria dizer-vos que estive a ver os estatutos, se assim posso chamar, do psicolaranja e queria dar os parabéns a todos os psicóticos porque estão realmente bem elaborados e dignificam tudo pelo que este trabalho consiste.

mais uma vez parabens!

xana disse...

Este post não pretende avaliar a decisão do juiz. Este post pretende, isso sim, fazer a ponte entre aquilo que está certo e errado enquanto juízo colectivo, e de que maneira isso se repercute nas nossas leis penais.

De facto, tecnicamente, não há homicídio. E na minha humilde opinião, de facto, acho que não há homicídio, porque faltam elementos preponderantes para que aquela acção seja assim qualificada. Mas também acho que, para muitas pessoas, esta decisão é difícil de aceitar.

Se é a lei penal que permite esta incompreensão, será que está mal feita?
Uma coisa vos garanto: as normas processuais em Portugal estão bem piores, mas mesmo assim, acho que temos uma lei que não é consensual, e se o Direito Penal é o espelho da sociedade, daquilo que esta aprova e condena, somos todos os melhores intervenientes para o discutirmos.

E mais, o nosso legislador também é culpado, porque a pobreza de muitas leis é por demais evidente.

Anónimo disse...

Esta é uma não-questão. Aliás, subscrevo integralmente as palavras do Paulo Colaço.

A autora do post está zangada com o juíz e não com a lei, o que é compreensível. Mas que culpa tem a lei?

José Pedro Salgado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Pedro Salgado disse...

Um pequeno apontamento:

Esta mulher vai cumpri pena para uma cadeia de mulheres.

Muitas dessas mulheres têm filhos.

E a grande maioria passou por muito POR CAUSA deles.

Incluindo todo o processo para que lhes seja permitido ter as crianças na prisão, e todo o esforço que essa situação implica.

No entanto, crêem que vale a pena todo esse processo só para terem os filhos que amam junto delas. É este o valor que dão ao amor de uma mãe.

Mulheres essas que podem, simultaneamente ser pessoas muito perigosas.

E esta mulher, que maltratou e matou o seu próprio filho, vai para o meio delas.

Bem ou mal, continuam a achar que 7 anos é pouco?

xana disse...

Caro Antonio Pessoa,

É exactamente o contrário. Eu não fico zangada com os juízes, mas sim com aqueles que se zangam com os juízes quando a única coisa que estes podem fazer é aplicar a lei que temos.

Inês Rocheta Cassiano disse...

O teor desta sentença chocou-me bastante, porquanto uma mãe que pontapeia a sua filha de DOIS ANOS e que com essas agressões lhe causou a morte, não podia "prever" este desenlace fatal?
Esta decisão suscita dois tipos de comentários (nem vale a pena falar na falta de valores desta mãe e da sua evidente falta de vocação para ser mãe porque já é bater no ceguinho), um jurídico e outro político:
Juridicamente, julgo que esta decisão do Tribunal irá ser objecto de recurso obrigatório porque o MP pedia condenação pela prática de homicídio qualificado.
Politicamente, esta é uma questão que mexe com a nossa consciência colectiva e torna definitivamente importante a escolha dos que podem assumir o papel de legislador (Governo e Assembleia da República). Não só é decisivo ser-se rigoroso em termos eleitorais, como é indispensável que as listas partidárias concorrentes sejam integradas por pessoas que reunam requisitos de competência e seriedade.

Tânia Martins disse...

A nossa lei é justa para umas coisas e injustas para outras!

Não vou falar de leis porque eu ainda estou a caminhar pela primeira vez nas páginas do Código Civil. Mas pondo isto de um ponto de vista moral e social tenho a dizer que é incompreensível que tal brutalidade seja punível com uma sanção tão pouco severa. Sete anos para a brutalidade da situação não são nada, para fazer isso à própria filha a mulher não passa de uma psicopata!

Toda gente tem direito a redimir-se e a voltar a reintegrar-se na sociedade, sim é verdade, mas não me conformo que Pessoas Humanas sejam capazes de fazer coisas de uma desumanidade só aos seus próprios filhos, isso para mim não me entra na cabeça e faz-me vê-las como animais (sem desvalorizar os pobres coitados dos animais, claro, que conseguem ser mais conscientes e bons pais que muitos humanos).

Que as leis precisam de uma rectificação penso que toda gente já percebeu, só não percebeu quem de facto deveria perceber!

João Marques disse...

A resposta à pergunta do post é:
Sim, a nossa justiça é justa.
Os seus protagonistas podem ser mais ou menos justos, mas regra geral cumprem o seu papel.
A grande injustiça do sistema não reside nem nas leis, nem nos protagonistas, mas sim na falta chocante de meios. Se os portugueses soubessem quantas omelestes sem ovos se fazem por esses tribunais ficariam espantados.
Quanto ao caso concreto, acho que dizer que 7 anos é pouco só pode resultar do ímpeto romântico de quem o sugere. A justiça, como já aqui se disse não serve para ajustes de contas, ela está ao serviço da sociedade, quer daqueles que cumprem os seus deveres, quer ao lado dos que prevaricam. Nunca o objectivo de um juiz pode ser castigar quem se deixou cair no erro, pelo menos não pode ser esse o alvo maior. O que se pede a um juiz é que pese os interesses em jogo e decida em conformidade. Ora, 7 anos de prisão (notem é o bem mais essencial que ao ser humano racional pode caber) para uma mãe que acaba de, negligentemente (é o que parece, para matá-la existiriam meios mais simples e inteligentes, mesmo para quem possui o Q.I. de um galináceo), matar o seu próprio filho é um castigo de uma violência tal que suponho que, ao juiz, muito deve ter custado aplicá-lo.
Enfim, parece-me ainda assim justa a decisão.