sexta-feira, novembro 09, 2007

Os dois lados da mesma moeda.


"Um dos aspectos mais pungentes do mundo moderno consiste no aproveitamento mediático do sofrimento humano".

"O sofrimento em directo na televisão constitui o clímax desta evolução".

"Em muitos países debate-se até onde é que a liberdade editorial deve ir".

"Não escondo que, entre nós, em vários casos, me parece que se ultrapassou esse limite de protecção devida à dignidade humana na forma como a dor e o sofrimento são noticiados e emitidos em imagens pungentes".

"Mas mais censurável que a exploração sensacionalista da dor e do sofrimento é a situação onde um sistema público só se move sob a pressão da explosão comunicacional dessa dor e desse sofrimento", in DN, António Vitorino.

Já tinha pensado escrever sobre este assunto e ao ler hoje no Diário de Notícias este artigo, assinado por António Vitorino, não pude deixar de o aqui deixar à vossa consideração.

O autor reflecte sobre o caso da funcionária de uma Junta de Freguesia do Norte, parcialmente paralisada, e que a Junta Médica a que foi presente, considerou-a apta para exercer as suas funções, ordenando a sua apresentação no local de trabalho.

Este caso é apenas um exemplo de que a exposição pública do sofrimento desta funcionária foi essencial para provocar a intervenção do responsável máximo (leia-se Ministro das Finanças), que determinou de imediato que os respectivos serviços reavaliassem toda a situação.

Se por um lado, este caso me deixou revoltada pela desumanidade e insensibilidade com que os serviços públicos tratam os problemas graves das pessoas e que têm consequências na sua vida quotidiana, por outro lado vejo-me forçada a colocar a seguinte questão: se é censurável a exploração mediática do sofrimento humano para captar audiências, será legítimo recorrer voluntariamente a esta mesma exposição para ver os seus problemas resolvidos? Começo a pensar que sim...

10 comentários:

Tiago Sousa Dias disse...

Infelizmente acho que sim. Acho que a devida atenção a alguns problemas só é dada quando algo como isto acontece. Relembro: antes da queda da Ponte Hintze Ribeiro alguém debatia o problema da extracção de areias dos leitos dos rios próximos de construções desta natureza? Não.
Mas neste caso que apresentas Inês, eu vejo as coisas por outro prisma. Acho que o debate a fazer não deve ser o que fazer para que erros destes não se repitam, mas o que fazer para que não se suspeite da actividade das juntas médicas. É que na verdade é aí que reside o problema. A famosa questão das baixas fraudulentas, as baixas médicas acentuadas nos fins-de-semana prolongados e em "pontes" de feriados originam a desconfiança no sistema como está e consequentemente situações destas. É o meu ponto de vista.

Tânia Martins disse...

Inês, isto é um caso em dezenas semelhantes aos que já aconteceram por este país, desde pessoas em fase terminal a serem obrigadas a trabalhar até pessoas incapacitadas serem sujeitas a fazer o que não podem. É uma realidade dura que se vive, mas ainda assim uma realidade!

Claro que não é legítimo ter que se expor desta forma para ver os seus problemas resolvidos porém tem sido uma necessidade constante ao longo destes tempos recorrer-se a este tipo de soluções para se resolver algo…

Belíssimo tema Inês!

Anónimo disse...

Vejam lá se o assunto não teve resposta imediata por parte do Ministro das Finanças, o que não teria acontecido se não tivesse sido divulgado pela comunicação social.
Infelizmente é este o país que temos, mas há que envidar esforços para que as coisas aconteçam de outra maneira.
Belissimo texto Inês, continua a trazer temas como este para o debate.

Anónimo disse...

Vejam lá se o assunto não teve resposta imediata por parte do Ministro das Finanças, o que não teria acontecido se não tivesse sido divulgado pela comunicação social.
Infelizmente é este o país que temos, mas há que envidar esforços para que as coisas aconteçam de outra maneira.
Belissimo texto Inês, continua a trazer temas como este para o debate.

Anónimo disse...

Eu sou muito pragmático em relação a este tipo de assuntos...
A burocracia é cega! Igual para todos.
Tem é de ter mecanismos para tratar pronta e eficazmente casos que saiam da norma, como o caso desta senhora e outros tantos no mesmo caso. Ou seja, imagine-se que recebemos uma alta automática. Caso não haja cabimento para a mesma, deveremos ter ao dispor uma forma expedita de provar que tal não pode acontecer. Não é necessário mediatismo nem exploração de situações perfeitamente normais.
Uma máquina de um ministério ou de um serviço não consegue prever tudo, mas tem é de estar preparada para rapidamente resolver ineficiências e/ou o que sai fora da norma.
Sem paixões nem histeria colectiva!

Paulo Colaço disse...

Sim, bom tema: quais os limites de "entrada" da imprensa pela nossa vida dentro e quais os limites de aproveitamento que podemos fazer da imprensa para resolvermos os nossos problemas.

Entre os psicóticos e psico-amigos temos muitas pessoas ligadas à comunicação.
Eu, que fui jornalista, director de informação e trabalho em comunicação; o Bruno, que trabalho há anos no sector da comunicação e publicidade; a Margarida, que respira imprensa e liberdade de imprensa desde a infância (o pai foi o respeitado Director do Jornal da Marinha Grande e mantém um jornal virtual); o Mendonça, que é um dos trunfos do Jornal de Negócios; a Lisete, licenciada em Comunicação Social e Assessora de Imprensa; a Xana, também filha de jornalista e dá os primeiros passos num projecto familiar de jornalismo.

Com estes pergaminhos, pode haver aqui uma discussão interessante.
À noite venho participar nela. Voltarei.

Francisco Castelo Branco disse...

Gostei do artigo

Inês Rocheta Cassiano disse...

Ora aí está uma questão muito pertinente, Tiago. O funcionamento das Juntas Médicas e as baixas fraudulentas.
Toda a gente sabe que se arranjavam atestados médicos para jsutificar fins de semana prolongados, mini férias, etc etc. Claro que era e é preciso moralizar o sistema.
Porém, receio que se tenha caído no extremo oposto. Actualmente, um atestado médico de um profissional privado tem que ser visado pelos colegas do centro de saúde público da área de residência.
Como é que é possível que uma Junta Médica, composta por 3 médicos, declare uma mulher inválida, "apta" para trabalhar. Isto só pode ter uma explicação: a lógica da actual Adminstração Pública, leia-se Finanças, apenas pretende reduzir pessoal e diminuir as despesas. Como? Ao considerá-la apta para o trabalho, está a "poupar" na parte do vencimento que continuaria a ter que lhe pagar, através da Segurança Social, estando ela de baixa, ao que acresce o ordenado do trabalhador que a iria substituir.
O que se faz pelos 3% do défice...

xana disse...

O que eu acho extraordinário neste país é não darem a pensão a estas pessoas, obrigando-as a trabalhar nestas condições, mas não se preocuparem com as pensões vitalícias dos políticos deste país que muitas ascendem os 3 mil euros mensais.

Inês Rocheta Cassiano disse...

Mais uma "inválida" apta para a trabalhar... INCONCEBÍVEL!