terça-feira, abril 22, 2008

Uma Árvore é um Amigo?

Hoje é o dia da Terra.
Muito mais que uma terra verde, aquecimento global, bio-combustíveis, quotas de CO2, Protocolo de Quioto, etc... Gostaria de falar de um problema crescente global...

A subida de preço dos alimentos está a causar miséria e desespero por todo o mundo.
No mundo do “1 euro por dia” famílias lutam por uma taça de arroz por dia; no mundo desenvolvido a classe média já tem grandes dificuldades em manter as três refeições mínimas diárias. Como dizia a The Economist ; uma onda de inflação alimentar passa pelo mundo, deixando pelo caminho má nutrição, Governos abalados e motins.

É este um desafio para a Globalização? Questiona o mesmo editorial. Alguns países questionam a abertura de mercado e de comercio à luz destes problemas. Os países ricos têm de financiar devidamente o Programa Alimentar Mundial (www.wfp.org), embora, sejam necessários certa de $700 milhões a mais, para distribuir a mesma quantidade de alimentos distribuída o ano passado. Tal é o impacte da subida!O grande problema aqui são as Falhas de Mercado. Vivemos numa economia aberta, numa época de capitalismo. Sim, mas não é bem assim no que toca ao sector primário! Há quotas, subsídios, controlos, apoios à exportação, acordos bilaterais, etc. de tal modo que pervertem totalmente a coisa. Claro que, ficando sempre a perder os países pobres... Isto sempre fez com que o preço do mundo fosse baixo, e não houvesse incentivo para que os agricultores dos países pobres produzissem. Agora acontece o oposto. E para encurtar uma história longa, e já discutida no post das pipocas, por causa dos subsídios para os bio-combustíveis por parte dos países ricos, os preços dispararam!
Ainda há poucos dias, a Índia cancelou a exportação de todo o tipo de arroz excepto o famoso Basmati! Isto é impensável...

Houvesse liberalização, e não restrições e quotas e etc. e tal, talvez não estivéssemos assim. Os Governos do Mundo deveriam fomentar e regulamentar a efectiva liberalização em prol de um futuro sustentável, e não ser força de bloqueio. Improvável de acontecer? Sim.
Mas nós, União Europeia, arautos de uma tão grande necessidade de tornar a Terra mais verde, o que estamos a fazer para a tornar mais Humana? Qual a nossa posição na OMC quando a nossa PAC é atacada? É caso para se dizer, em casa de ferreiro...

Que Terra é esta, em que sacrificamos metade da sua população, em prol de um conceito de Verde, de Ambiente, que se está a revelar nada humano? Quando se celebrará o dia do Homem?

13 comentários:

Anónimo disse...

Sem ter o jeito do JFD para escrever, aproveito apenas para transcrever algo: " Um conto chinês fala de alguns homens enviados para machucar uma jovem menina, mas ao verem a beleza dela, tornaram-se seus protectores em lugar de agressores. Isso é como me sentia vendo a Terra pela primeira vez. " Eu não pude ajudar mais do que amando-a e apreciando-a."
Esta citação foi dita por Taylor Wang, China/USA, austronauta.

Seria importante nem que fosse apenas por um dia, que todos vissem a Terra pelo olhar de um austronauta e reparassem na beleza Inigualável que o planeta de todos nós apresenta.

Bralcaan

Paulo Colaço disse...

Quando eu era miudo, como tantos outros, quis ser astronauta.
Era mesmo o único da minha "sala" que conseguia dizer a palavra :)

Nos livros que tinha, o nosso globo apresentava-se de inúmeras cores, com predominância do azul, nos seus vários tons.

Passada a nostalgia, eis uma nota que me fica do texto do Jorge: a Terra sofre de diversas doenças e poucas são aquelas cuja cura está ao alcance do Homem.

Seja por egoísmo, ganância, comodismo, falta de informação ou difícil reversibilidade em pouco tempo, estamos condenados.

A não ser que... plim!, uma liga de Estados crie e fiscalize políticas verdadeiramente ambientais repressivas.

Não será em poucos anos nem sem dor, mas acredito (com esforço, confesso) que daqui a algumas gerações se possa respirar de alívio!

Tânia Martins disse...

Aqui está um tema que eu adoro! Mas volto cá com mais tempo!

Agora é só para dizer mesmo que eu nunca quis ser astronauta, nunca gostei muito da ideia de sair da Terra :p

Filipe de Arede Nunes disse...

JFD,
Não compreendo o teu último parágrafo: "Que Terra é esta, em que sacrificamos metade da sua população, em prol de um conceito de Verde, de Ambiente, que se está a revelar nada humano? Quando se celebrará o dia do Homem?"
Que conceito de verde, que conceito de ambiente?
Cumprimentos,
Filipe de Arede Nunes

Paulo Colaço disse...

Boa pergunta, Filipe.

Anónimo disse...

Gostei de sabê-lo com tão rica preocupação no meio de tanta pobreza. Por "rica", entenda-se "boa" e "humana".

Quando muito pequenina me recusava a comer a sopa a minha avó dizia-me: "come, não vês que há tantos meninos a morrer de fome no Biafra?" e eu lá ía comendo.
Mas a seguir, outros locais de referÊncia vieram: Etiópia, Sudão e muitos outros países Africanos, India, Brasil etc...sempre em crescendo. E o dramático é isso mesmo, o fenómeno cresce. Atinge cada vez mais países e cada vez mais estratos sociais.
De facto a classe média começa a viver mal. Provávelmente não conseguiremos aferir quantas estão nesta situação, porque a vergonha da nova condição de pobres impede-os de pedir ajuda.
As Instituições sociais fazem o que podem, mas podem cada vez menos.
Eu penso que a fome crescente não resulta da falta de produção, a terra é generosa e o homem tende a aproveitar essa generosidade, cultiva-a. Penso que o problema seria resolvido, em grande parte, pela a aplicação de politicas económicas certas, por exemplo, no que respeita à distribuição e às opções de cultivo.
Qual a razoabilidade de canalizar os meios de produção dos cereais para os bio-combustiveis quando há tanta gente a morrer de fome?

Às vezes descanso a minha consciência acreditando no Homem. Acreditando que ele vai encontrar formas de acertar as arestas nos Modelos Económicos.
Mas eu sou aquela que achava que comer a sopa toda, resolvia o problema das criancinhas que tinham fome... e vivo no país onde Camões morreu de fome e toda a gente enche a barriga de Camões

jfd disse...

Bem, motins mortais no Haiti, Mexicanos que gritam “Queremos Tortilhas!”, multidões iradas que incendeiam carros no Bangladesh, soldados que guardam stocks de arroz em Manila... É esta parte da imagem que compõe a nossa Terra, o nosso mundo.
Claro que não é the whole picture , mas dá para obter the big picture ...

Eu termino com esse parágrafo, porque penso que temos a responsabilidade de num dia como o que hoje passou, ter um pouco mais de noção do impacto que tem a nossa ideia desenvolvida do que é uma Terra sustentável. E como esse conceito pode tão facilmente perder a humanidade que deveria conter.

Pessimismo? Posso pecar por aí sim. Mas convém umas doses de realidade de vez enquando.

O problema não é de todo relacionado com os bio, e com as consequências dos ambientalistas. Mas alguma parte tem de ser. As minhas observações não são exaustivas, mas sim empíricas.
O preço do arroz já duplicou este ano. O Banco Mundial diz que com este preços poderemos ver a luta contra a fome regredir uns 7 anos. Pede aos doadores que dêm cerca de $500 milhões em ajuda alimentar até ao dia 1 de Maio para evitar a fome de cerca de 100 milhões de pessoas! São números assustadores! Eu lembro-me de ser pequeno e ficar completamente estarrecido e consternado com o problema que se passava na Etiópia. E não passava dum puto que nada compreendia. Mas da mente duma criança vinha aquela preocupação inocente que não compreendia como poderia alguém passar fome e não ter o que eu tinha... Hoje, com tanta ajuda que há, pensava-se que muito poucas situações de extrema necessidade estavam por resolver. E heis que a crise vem fazer regredir todo o bom trabalho já feito.

A origem da crise? Aumento do preço, especialmente do arroz. Inundações, infestações, problemas tanto do lado da procura como do lado da oferta. Os adubos e fertilizantes têm vindo a ter os seus preços disparar por causa do preço do petróleo, fazendo com que poucos dos agricultores tenham hipótese de manter muita do seu cultivo. Cai a produtividade, menos oferta. Também há menos terra para cultivar!
A China, por exemplo, está em alguns locais a desenvolver a sua urbanidade como a América dos anos 50, com casas unifamiliares. Imaginem, aquele país com tão poucas famílias... A quantidade de terra cultivável, estragada para o imobiliário. Menos onde cultivar. Ou então os campos de golfe... E voltamos ao limão em cima do bolo, com o aumento do preço do petróleo, e a irresponsável corrida aos bios, têm-se utilizado muito da terra que ainda fica disponível para a produção de, por exemplo, milho (mas isso já falámos noutros posts ). Têm culpa os pequenos agricultores que apenas querem é conseguir sobreviver? Eu penso que não, afinal a conjuntura é que os leva a escolher o caminho da, como disse, sobrevivência.
Muitas das soluções, são causa de problemas! Exemplo? As estirpes de arroz geneticamente modificado... Têm de ser compradas ano após anos, pois mesmo com a polinização normal, a segunda geração é sempre uma produção que em nada faz jus à primeira... Toca de enfiar na Terra um produto cujas consequências não temos sequer ideia... Tudo isto em prol de quê?
Estamos a assistir, como já referi no post às limitações nas exportações. Ora isso faz com que o preço no mundo suba. Mantendo o preço no país artificialmente baixo. Isto também não ajudará à produção eficiente nem ao investimento em I&D, essencial na procura de produções mais resistentes e métodos mais eficazes. Qualquer dia assistiremos à cartelização das exportações de arroz, milho, soja... Como será nessa altura? Quem lucrará? Imagino como devem estar as commodities alimentares em Chicago... Já li na Business Week que já há Fundos indexados ao preço das sementes... não sei se já havia ou não. Mas também não tenho nada contra. Afinal, se dá para fazer 1 euro que seja, estará lá alguém para o fazer não é? (Guilherme?!?!? Disse algum disparate?? ;))

Não sou nenhum Verde nem nenhum Comuna. Não sou contra a Globalização nem contra os Acordos Regionais. Sou é contra os desvios de comércio que têm depois consequências deste género. O Mundo deveria ser um level playing field , sendo que, os desvios à liberalização do comércio total, pela positiva, deveriam afectar só os países em desenvolvimento.

Espero ter respondido Filipe e Paulo!

Entretanto a Cidália teve a gentileza também de responder, obrigado ;)
Estamos de acordo no que aqui diz:
Penso que o problema seria resolvido, em grande parte, pela a aplicação de politicas económicas certas, por exemplo, no que respeita à distribuição e às opções de cultivo.
Qual a razoabilidade de canalizar os meios de produção dos cereais para os bio-combustiveis quando há tanta gente a morrer de fome?


E embora eu seja um pouco pessimista nesta conversa toda que para aqui tenho, também tenho essa fé que expressa na humanidade. O que me deixa com um sorriso. Que rapidamente contrasta com o amarelo com que ficou, após ler o seu último e incisivo pensamento! Quem nos acode???
LOL(amarelo)

Tânia Martins disse...

Cidália o seu comentário demonstra uma dignidade pura, como já não se vê por aí!

Aquilo que tinha para dizer foi dito, falta neste mundo políticas económicas equitativas, justas e bem aplicadas. As políticas económicas que vemos neste mundo são sempre a favor de uns, contra outros. Anda-se sistematicamente a jogar à batalha naval a ver quem afunda quem e quem se apodera de quem, enquanto isto durar, jamais viveremos num mundo em que não haja fome e miséria.

Jorge o dia da Árvore pode ser muito bem o dia do Homem ;) há uma relação muito complexa entre eles!

P.S(D) – não desenvolvi muito mas estou mesmo sem tempo, mas não podia deixar de comentar neste post, Parabéns Jorge ;)

Paulo Colaço disse...

Sim, JFD, respondeste.

Cara Cidália, a parte final do seu texto torna inevitável que eu responda com um poema de Jorge de Sena.
É dos meus preferidos e um dos mais fortes em língua portuguesa.

Camões dirige-se aos seus contemporâneos

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as imagens, as palavras,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

José Pedro Salgado disse...

O problema passa por termos uma terra a duas velocidades:

Como vamos explicar a um país desfavorecido que (não obstante nós o tenhamos feito) eles não podem sacrificar Direitos Humanos para enriquecer?

E quem é que explica, ao menino que não tem milho para comer, o conceito de energias alternativas, para que menos de metade do mundo possa usufruir de confortos que ele nunca sonhou?

Anónimo disse...

Paulo,
Poema de forma bonita e de conteúdo angustiante e curiosamente verdadeiro.

Guilherme Diaz-Bérrio disse...

Más politicas económicas é a grande causa do actual panorama das commodities.

Existem neste momento 4 pontos fundamentais:
1. Os incentivos fiscais aos bios-combustiveis, tanto na Europa como nos EUA. Devido a isso a produção é deslocada de, por exemplo, trigo alimentar para trigo para etanol - quando o trigo nem é a forma mais "eficiente" de etanol, comparado com por exemplo, o açucar;
2. Politicas proteccionistas/mercantilistas de paises em grande crescimento como a China ou a India. A súbida de preços das commodities não é de hoje, já se processa à uma década, e vários paises impuseram controlos de preços. Isto criou uma procura artificial por certos produtos - como o crude e derivados, cobre, carvão e afins - que de outro mão veriam a procura reduzida e o preço "contido". Isto cria efeitos de "spill over" nas restantes commodities;
3. A crise financeira internacional não está a ajudar. Embora o senhor ministro das finanças/primeiro ministro não o reconheçam - Portugal deve ser um Oasis financeiro - a crise está a ser muito violenta e também afecta os preços alimentares. A razão é a bolsa de Chicago. Esta é a referencia para os agricultores "segurarem" o preço da sua produção futuro e estimarem quanto produzir. (Um agricultor sabe que daqui a um ano tem x kg de trigo, logo compra um contrato de futuros de x kg de trigo a entregar daqui a um ano a x preço, e tem assim um lucro previsivel numa activade que de origem é altamente volatil). O problema é que a crise também se fez sentir nos contratos de futuros dos bens alimentares - que duma forma muito simplista dependem por exemplo de coisas como taxas de juro. Grandes fundos de investimento e bancos investidos estão a "desalavancar" investimentos com dinheiro "gratis do sr. greenspan". Isto cria uma volatilidade excessiva no mercado e retira a certeza ao agricultor. Este então prefere negociar directamente com um fundo de investimento fora do mercado: o fundo compra a colheita a x e em troca o agricultor armazena a custo zero; Dado que está a ser fora do mercado o inventário não conta - parte das provas de falta de oferta são distorções estatisticas como esta - e retira agentes no mercado, tornado o bem mais escasso na bolsa, e o seu preço mais incerto;

4. A reserva federal norte-americana. Correndo o risco de parecer teimoso, 50 por cento do problema actual é "monetário". A subida do preço dos bens alimentares e básicos não é de 2007. Remonta a 1997 - em 10 anos quadruplicaram de valor. A moeda de reserva e de facturação destes bens, o dolar perdeu quase 50 por cento do seu valor em menos de 10 anos, o que quer dizer que os bens têm de duplicar de preço no mesmo periodo de modo a manter o mesmo valor... isto não é uma questão de menor importancia quando a reserva federal nos EUA está numa politica activa de desvalorizar a moeda de modo a impedir uma recessão que irá ser algo violenta...

É a questão da "terra a duas velocidades":
O terceiro mundo paga produtos alimentares mais caros porque os EUA em particular, se divertem a desvalorizar a sua moeda - o que não seria um problema não fosse ela "de reserva" - de modo a impedir o inevitavel: aprenderem que não podem continuar a viver acima das posses...

jfd disse...

Bem mais uma vez, obrigado ;)

Fiquei esclarecido com o ponto 3, um bocado estupefacto com a clareza, tão claro que fiquei parvo com a vigarice... Que não é vigarice. É o mercado, dirão eles...

Quando à tua persistência no ponto 4, faz todo o sentido. E cada vez mais claro, pelo menos para mim.

Decididamente, e como já tinha dito à Elsa, quando terminar a Gestão, tenho de ir para Economia... Hajam neurónios!

Abraço!