quarta-feira, outubro 18, 2006

O papel da igreja


Há notícias que temos que ler e reler para acreditarmos. Não obstante as convicções religiosas de cada um, o que é facto há-de ser sempre facto, e não vejo como desmenti-lo. Li no Diário de Notícias de hoje a seguinte notícia, relativamente ao referendo ao aborto: “Os bispos portugueses (…) já decidiram que a Igreja vai dar orientações de sentido de voto aos fiéis”. Logo aqui não concordo, mas respeito. O mais extraordinário vem a seguir, declarações do secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Carlos Azevedo: "os fiéis terão uma orientação muito clara sobre qual deverá ser o seu sentido de voto", acrescentando depois que "não se trata de uma campanha política ou de uma questão apenas religiosa. É fundamentalmente uma questão de consciência".
Eu pergunto: se os fiéis terão uma orientação muito clara no sentido de voto naquela que é uma questão de consciência, então a igreja admite aqui, sem margem para outras leituras, que quer orientar a consciência dos seus fiéis.
E ainda dizem que a igreja não representa uma forma (inequívoca!) de manipulação humana…

15 comentários:

Paulo Colaço disse...

isso é de facto estranho e contraria informações (instruções até) do Cardeal Patriarca de Lisboa que afirmou o afastamento da Igreja deste debate!

RICARDO PITA disse...

é efectivamente uma forma de manipulação das massas.a igreja não se deve intrometer e deixar que cada um forme livremente a sua opinião.mas penso que o poder da igreja para moldar mentes de leigos já não é tão grande como há alguns séculos atrás e que a liberdade invidual na decisão do sentido de voto prevalecerá

Anónimo disse...

Claro que não manipula coisa nenhuma! Apenas diz qual a sua posição face ao problema e explica porquê! Não obriga ninguem a nada e so segue quem quer e muito bem entende. Também nós quando nos pronunciamos em relação a um tema e temos determinada posição, e por estarmos convencidos ser essa a posição melhor, tentamos dar razoes aos outros de modo a que eles se convençam do mesmo. A Igreja vela pelos seus fiéis, como um pai vela pelo seu filho tentando que adquira bons principios de modo a ser feliz e a tornar os outros felizes.

Paulo Colaço disse...

Caro Another look,
Tem todo o direito a ter opinião diferente. Aliás, este blog não foi criado por gente de “um só livro”!
Não quero fazer aqui o papelinho do anti-“instituição Igreja” primário, mas quando li que “A Igreja vela pelos seus fiéis, como um pai vela pelo seu filho tentando que adquira bons principios de modo a ser feliz e a tornar os outros felizes”, lembrei-me de reportagens e relatos acerca da luta da Igreja contra o uso do preservativo.
Quando li que a Igreja “não manipula coisa nenhuma” lembrei-me da forma vergonhosa como a igreja encara os seus casos de abusos sexuais.
Quando li que a Igreja “não obriga ninguém a nada” lembrei-me de todas as imposições e restrições, tais como o celibato, a impossibilidade de ordenação de mulheres e a recusa de comunhão a divorciados.

De facto só segue quem quer, mas a verdade é que há cada vez menos gente a seguir…

Big Mamma disse...

another look?

o seu comentário aqui é tao retrógrado que mais parece "the same old look"...

xana disse...

Caro another look, tenho que o confrontar com as declarações que aqui transcrevi: "Não deixaremos de conduzir os fiéis que nos estão confiados com uma palavra muito clara sobre qual deve ser o seu trabalho nos próximos tempos." Não me parece que seja só explicar a sua posição e deixar aos seguidores fazer o que querem e o que bem entendem.
Esse seu discurso entristece-me bastante, porque em pleno séc. XXI é preciso que a Igreja católica evolua (e que os seguidores evoluam!) e que tenha uma maioria de Policarpos e uma minoria de Azevedos...

Paulo Colaço disse...

"é preciso que a Igreja católica evolua (e que os seguidores evoluam!) e que tenha uma maioria de Policarpos e uma minoria de Azevedos... "

apoiado Xana!

Anónimo disse...

Primeiro exige-se que a Igreja evolua e depois critica-se que a mesma se interesse e tome posição em relação a assuntos da actualidade como o aborto.
Não sou apologista que se imponha nada a ninguem, cada um ouve e depois decide por si, obviamente.
A Igreja não está preocupada em seguir maiorias.

Big Mamma disse...

Caro anónimo,
deixa que lhe diga isto:

1 - Não é por falar de aborto que a Igreja mostra evolução, porque de aborto vem falando desde ha séculos! É que o aborto não é um assunto que apareceu ontem! Tal como a posição da Igreja sobre este assunto não é de ontem!
Mostra coerencia, mas a coerencia não é um bem em si: o tipo que chega todos os dias tarde ao trabalho também é coerente!

2 - que a Igreja nao está preocupada em seguir maiorias sabemos nós, mas quando a maioria dos portugueses sao católicos, isso devia significar alguma coisa a quem apenas decide com base em livros e não com base na realidade!

3 - O problema do Catolicismo é o mesmo daquela biblioteca onde os livros eram tratados com tanto cuidado que ninguém os podia ler! Na Igreja é o mesmo: as coisas de "deus" são tratadas com uma cegueira tal que as pessoas se começam a virar para o Diabo...

Anónimo disse...

Bem ...

há coisas que são distintas dentro da Igreja. uma coisa é o sentido de voto que a Igreja aponta e outra é o sentido de voto dos fiés.

Só alguns esclarecimentos, de quem até anda por dentro destas coisas:
1) é possivel a divorciados comungarem, sem qualquer pensalização nem sequer a antiga "anulação" do casamento.
2) a maioria dos portugueses não é católica, diz-se católica, e aqui há uma diferença enorme.
3) Muita da confusão gerada resulta da falta de comunicação entre o Vaticano e a Igreja do dia-a-dia, que evolui. Em diversos assuntos, há contradição entre membros do clero entre si e leigos entre si.
4) como curiosidade, acrescento que teoricamente, apesar do polémico e ridiculo dogma da infalibilidade do Papa, co-existe a ideia de que, espiritualmente, o Papa é posto ao mesmo nível que qualquer outro presbítero... dá que pensar, não?

Só para acrescentar, eu vou votar não ... mas por outras razões.

Marta Rocha disse...

A minha avó, que é uma católica "à antiga" disse-me hoje que ia votar "Não" no referendo do aborto, porque era essa a posição da Igreja e como tal, a que os fiéis devem assumir.

Perguntei-lhe se sabia qual era a pergunta, ela respondeu que não.

Então, fiz-lhe eu um referendo e perguntei se era a favor ou contra o aborto, prontamente disse-me que era contra. Ao que eu retorqui, dizendo que também sou e que penso que não existe ninguém que seja "a favor". Para uns é um mal necessário, para outros um mal em si.

Mas a pergunta não é essa, até porque fazer-se abortos neste país, ou não, não é uma decisão dos indivíduos, nem da Igreja, nem mesmo dos dirigentes. O aborto existe e continuará a existir, quer ganhe o "sim", quer o "não".

A pergunta será a de saber se, cada um de nós, acha justo que uma mulher, que faz um aborto, seja ré num processo-crime.

Posto isto, parece-me que a Igreja Católica prefere antecipar o "Dia do Julgamento" para uns, enquanto o protela para outros.

Bruno disse...

Meus caros amigos,

Aguardo pela vossa tomada de posição quando começarmos a ver e ler na Comunicação Social tomadas de posição por parte de organizações e líderes de opinião, actores e políticos, músicos e escritores, etc. etc. etc.

Será justo vir outra vez a Catarina Furtado (como no anterior referendo) tentar influenciar todos os fãs da Chuva de Estrelas, Operação Triunfo, Dança Comigo?... Será correcto o 1º Ministro poder pronunciar-se a favor do "Sim", sendo que o Governo não tem - que eu saiba - uma posição oficial de tendência de voto?

Será que, só por pertencermos a um determinado grupo em que a posição é esmagadoramente afecta a uma determinada opinião, as pessoas desse grupo já não podem manifestar essa opinião??? Por algumas das palavras que aqui li, parece que não. Parece que nesse caso isso será "manipulação". Então e quando deixa de ser? Quando eu digo algo sem estar convicto?

Neste caso parece-me que estão a querer ser – desculpem a expressão – “mais papistas que o Papa”. “Conduzir os fiéis com uma palavra muito clara” é coarctar a liberdade de escolha das pessoas, Xana? Preciso que me expliques melhor. Sinceramente. Concordo que a Igreja precisa de evoluir mas para isso também precisa de participar em debates sobre grandes questões sociais como esta e parece que afinal não pode…

Para terminar, também eu gostava de estar tão convicto como a Marta de que aquilo que decidimos neste referendo é apenas “se, cada um de nós, acha justo que uma mulher, que faz um aborto, seja ré num processo-crime”. Mas não estou assim tão certo disso…

xana disse...

Caro Bruno,

Primeiro deixa-me dizer que o objectivo do meu post é mostrar que existe manupulação. Lê bem as declarações do secretário da CEP, porque quando se diz que é uma questão de consciência não se pode dizer que "os fiéis terão uma orientação muito clara". E mais :"Não deixaremos de conduzir os fiéis que nos estão confiados com uma palavra muito clara sobre qual deve ser o seu trabalho nos próximos tempos."
Achas que isto não é manupulação?

E sim meu caro, acho muito mal que se façam campanhas pelo sim e pelo não. Acho que isso não poderia acontecer, exactamente porque se trata de uma questão de consiência, e consciência individaul, não colectiva. Para mim é falta de seriedade, e é tentativa de manipulação.

Mas agora pergunto, achas que as pessoas que são fãs da Catarina Furtado se sentem mais obrigadas a seguir o sentido de voto dela, ou os fiéis o da Igreja?
Parece-me uma pergunta justa.

E, para terminar, concordo com a Marta porque trata-se de despenalizar, ou seja, não está em causa liberalizar nem descriminalizar. Pelo que entendi da pergunta, o aborto não deixará de ser uma contra-ordenação social sujeita a uma sanção, logo, apenas deixa de ser um crime sueito a uma pena.

Bruno disse...

Sim Xana, acho que não é manipulação! Por isso te pedi para me explicares melhor... mas não o fizeste. É que eu sou daqueles que considero que para ter Fé não é preciso ser débil mental e conseguimos continuar a pensar pela nossa própria cabeça. E também acho que, quando estamos convictos de algo, devemos tentar influenciar as pessoas que nos rodeiam de uma forma “muito clara”. Aliás, é por isso que gosto de ter a participação política que tenho e não considero as pessoas com quem falo e a quem transmito as minhas posições e, por exemplo, as do meu Partido como pessoas fracas que eu consigo manipular…

Se achas errado as campanhas pelo sim e pelo não, então qual é o tipo de debate que achas sério e que permitirá às pessoas ficarem mais esclarecidas? Ou defendes que cada um se feche sobre si próprio e decida, de forma completamente individual, a sua posição sobre este tema?

Em relação às pessoas se sentirem “obrigadas” a seguir um sentido de voto, eu acho, sinceramente, que uma pessoa madura e inteligente, absorve tudo aquilo que ouve, desde a Catarina Furtado até ao Cardeal, desde o Jorge Coelho até ao Presidente Cavaco Silva, e forma a sua opinião de acordo com as suas convicções, com as suas crenças, com os seus princípios. Essa é a diferença que estou a detectar entre os nossos discursos: eu acredito mais na inteligência e capacidade de decidir das pessoas.

Quanto à pergunta do referendo, se me dizes então que apenas levará a não penalizar as mulheres que abortam, mas que continuaremos apenas a considerar o acto como justificável nas situações que a actual lei permite então fico mais descansado. O que não quer dizer que concorde ou que vá votar “Sim”.

Para terminar (este comentário) deixem-me apenas dizer que, isto que aqui estamos a fazer chama-se “expor argumentos” que é um direito que todos temos em Portugal desde Novembro de 1975. Até a Igreja. E não estamos a tentar manipular ninguém. Aliás, a Xana é um exemplo perfeito de uma pessoa com quem gostamos de debater exactamente porque não é facilmente… manipulável.

xana disse...

Muito rapidamente, acho que o serviço público de televisão (e o outro que tanats vezes faz o papel dele) devia promover debates com pessoas entendidas cientificamente no assunto. Se depois fizesse debate político, já não me chocava tanto.
E mais, eu confio bastante na inteligência das pessoas. E acredito que as pessoas serão cada vez mais esclarecidas, e aqui estamos nós a dar um belíssimo exemplo. Discutir de forma saudável, expondo argumentos. E de forma correcta. E sabemos que podemos sempre contar com a tua correção.